“Vitória ou morte”: a crise no sistema democrático brasileiro

Camila Saibro
5 min readSep 7, 2021

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Manifestação cultural dos Povos Originários em Brasília, pela rejeição do marco temporal. Foto de Rael Castro, agosto de 2021.

No dia em que marca a suposta independência do Brasil, o Presidente articula com seus raivosos apoiadores uma manifestação de repúdio pelo Supremo Tribunal Federal e coloca em cheque a estrutura democrática do país.

De fato, Bolsonaro hoje não conta com um número substancial de apoiadores na população brasileira. Os números mostram que 58% da população inclusive apoia o impeachment. O que preocupa é o fanatismo dos seguidores que ainda lhe resta e que acreditam no seu discurso violento de que se articula hoje nas instituições públicas uma afronta à democracia e à liberdade religiosa, apoiando-se no próprio fanatismo religioso que o elegeu e na ganância de uma parcela do país que escuta suas falácias com louvor.

O discurso de Bolsonaro incita essa guerra entre os três poderes e visa a desestruturar o Estado Democrático de Direito, abrindo caminho para seu plano de ações destrutivas, com base em uma possível militarização do Estado e enfraquecimento das instituições públicas de caráter sócio-cultural, educacional e, principalmente, ambiental.

Povos Originários se reúnem na Praça dos Três Poderes aguardando julgamento do Marco Temporal. Brasília, Agosto de 2021. Fotos de Hugo Takemoto.

Estas políticas de desgoverno implicam em sérias consequências, chamando atenção de organizações internacionais de direitos humanos e ambientais que já movem ações exigindo esclarecimentos e até a criminalização dos atos do atual Presidente a nível mundial.

Temos conhecimento de que o atual governo dificultou o acesso ao tratamento de pacientes com Covid-19 nas proximidades de terras indígenas, o que bastaria para a caracterização de genocídio, mas além disso, o atendimento médico dos indígenas no sistema público de saúde se dá apenas em terras demarcadas, deixando os milhares de indígenas em contexto urbano e em terras não demarcadas sem assistência básica de saúde.

A construção desta política anti-indígena, que acontece desde o início do mandato do atual Presidente é fato inédito em território nacional, onde se desmantela toda a proteção das terras indígenas pelo incentivo da atuação ilegal dos garimpeiros e grileiros e ainda vem colocando em pauta projetos de lei que viabilizam tais práticas ilegais, desmantelando todo um sistema protetivo criado ao longo do anos nas casas legislativas do país.

Luta pela Vida: os guardiões das florestas pedem pela sua sobreviência, manifestando culturalmente na Praça dos Três Poderes — Brasília, agosto de 2021. Foto de Guilherme Meneghelli.

O art. 6º do Estatuto de Roma, que trata de genocídio, prevê punição para “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, seja por ofensas graves à integridade física ou mental dos membros do grupo; seja pela sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial”.

Sendo assim, levando em conta sua atitude perante os Povos Originários e negros do país e recebida denúncia de diversas entidades brasileiras, o Comitê da ONU contra a Discriminação Racial emitiu um alerta de atrocidades para o Governo Brasileiro, com prazo de resposta até outubro de 2021 e caso a resposta não seja satisfatória, o caso avança no Comitê para instâncias superiores na ONU podendo ir ao Tribunal Penal Internacional de Haia, onde o Presidente já está respondendo pelo crime de genocídio e crime contra a humanidade por uma ação movida diretamente pelos povos nativos, através da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (APIB).

Marco Ancestral: 6 mil indígenas de 176 povos, se unem em Brasília pela derrubada da tese do marco temporal. Filme de Guilherme Meneghelli, para FlorestaTv.

Quanto ao caráter destrutivo ambiental de seus crimes, o Chefe do Estado brasileiro afrouxou medidas de proteção ambiental e colocou nos altos cargos de instituições que regulamentam a matéria seus favorecidos, grande parte (eu diria, todos eles) tendo seus nomes familiares ligados à invasão de terras indígenas ou agronegócio, o que inviabilizaria que trabalhassem à frente de órgãos de preservação do meio ambiente.

O que vemos hoje é histórico: um presidente que governa unicamente pelos interesses da classe favorecida deste país, em nome do agronegócio, madeireiras e mineradoras, envolvido em esquemas de corrupção e se colocando como inatingível e soberano.

Na última semana, suas falas traziam o 7 de setembro como o marco divisório na história do país:

“Nós não criticamos instituições ou poderes, somos pontuais. Não podemos admitir que 1 ou 2 pessoas usando da força do poder queiram dar outro rumo para o nosso país. Essas 1 ou 2 pessoas têm que entender o seu lugar”.

“O recado de vocês, povo brasileiro, nas ruas na próxima 3ª feira, dia 7, será o ultimato para essas duas pessoas. Curvem-se à Constituição, respeitem a nossa liberdade, entendam que vocês 2 estão no caminho errado, porque sempre dá tempo para se redimir.”

Ora, umas das bases do nosso Estado Democrático de pé é a divisão e interdependência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o trabalho de cada um representando o POVO acima de tudo, dentro de suas competências.

Até diria que é ignorância do nosso representante maior do Poder Executivo, mas prefiro dizer que é incompetência e má fé, pois ele se auto afirma o maior representante do povo, se colocando acima do STF hierarquicamente e fala em não aceitar uma decisão da Suprema Corte judiciária do país como se estivesse acima dela.

Hoje, no 7 de setembro da dita independência, nos comprometemos com a verdade e a transparência e não podemos aceitar que um governante desequilibrado instaure o caos nas instituições que a muito custo estão protegidas pela constituição.

Pedimos respeito a Carta Magna e que se cumpra o poder soberano do povo: indígena, negro, LGBTQ+ e de toda a nação.

Golpitas não passarão.

Camila Saibro.

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